terça-feira, 30 de agosto de 2011

Canções da Liberdade

WILSON H. SILVA
da redação do Opinião Socialista

 ``Enquanto imperar a filosofia de que há uma 
raça inferior e outra superior o mundo estará 
permanentemente em guerra. É uma profecia, mas 
todo mundo sabe que isso é verdade``.

Bob Marley


     Se não tivesse morrido precocemente, vítima de um câncer, em 1981, Bob Marley teria completado 60 anos, em 6 de fevereiro. Ídolo maior do reggae, Marley fez de sua música um poético e poderoso instrumento de denúncia do racismo e da exploração genocida da África e dos povos pobres do mundo. Mas também de exaltação ao amor, à festa e à vida.
     Para celebrar o aniversário de Bob Marley, no domingo, 6 de fevereiro, em vários cantos do mundo pessoas se juntaram para entoar músicas como Redemption Song, a “canção da redenção”, que se tornou um hino mundial à liberdade, através de versos como os seguintes: “Emancipem a si mesmos da escravidão mental, / Ninguém além de nós mesmos pode libertar nossas mentes (...) Você não vai ajudar a cantar estes cantos de liberdade? (...) Tudo que eu já possuí [são] cantos de redenção / Estes cantos de liberdade”.
    No dia 6, os versos de Marley ecoaram particularmente na Jamaica, sua terra natal, e na Etiópia — berço do movimento Rastafari (veja artigo) —, onde um show com centenas de milhares de pessoas encerrou um mês de festividades que incluíram debates e exposições sobre a vida e obra do cantor, além de um simpósio sobre a história da África. 
     Mas as homenagens não se limitaram a estes dois países. Elas, literalmente, cruzaram o globo, principalmente nas vozes de negros e dos milhões que habitam as periferias e margens do mundo, a quem o poeta e cantor dedicou grande parte de sua obra. Das ruas de São Luis do Maranhão, a capital do reggae no Brasil, aos guetos negros no Bronx norte-americano, passando pelos bairros de imigrantes em toda Europa ou qualquer outro lugar onde exista gente sedenta por “cantos de liberdade”. 
    Das ruas da Jamaica para o mundo. Como milhões de outros negros nos países colonizados, Marley nasceu da relação entre uma jovem negra, Cedella Booker, de 18 anos, e um militar branco, de 50 anos, a serviço do governo britânico. 
     Tendo sido criado pela mãe, Marley mudou-se para a capital da Jamaica, Kingston, ainda na adolescência, indo viver em uma das maiores e mais agitadas “favelas” da cidade, Trenchtown, cuja população e musicalidade foram determinantes para sua formação.
    Foi lá que ele entrou em contato com a música negra norte-americana (Ray Charles, o rhythm & blues de New Orleans etc.), com o melhor dos ritmos populares e negros jamaicanos e também foi em Trenchtown que Bob conheceu Peter Tosh e Bunny Livingston com quem formaria a banda The Wailers, em 1963. 
     Os anos seguintes foram de crescente sucesso, aproximação com o movimento Rastafari (particularmente depois do casamento com Rita Anderson, 1966) e experiências musicais a partir de várias viagens à Europa e Estados Unidos e principalmente através do envolvimento com dos ritmos tipicamente jamaicanos, como o ska beat e o rock steady.
     Os componentes do The Wailers partiram para carreiras solo em 1975. Ficando à frente da banda Bob Marley & The Wailers, o cantor teve de abandonar o país em 1976, depois de um atentado à bala, vivendo em Londres por quase um ano, o que o ajudou a se transformar, definitivamente, em um dos músicos mais famosos do mundo. 
     Sua fama como porta voz do Terceiro Mundo se intensificou ainda mais depois de sua primeira visita à África, em 1978, e particularmente após ter sido convidado para cantar na festa de independência do Zimbabwe, em 1980. Pouco depois disto, Marley iniciou sua última turnê, na Europa, quando a música Redemption Song foi lançada em platéias que chegaram a reunir 100 mil pessoas.
     No início de 1981, depois de fazer dois shows no Madison Square Garden de Nova York, Marley detectou um câncer que acabou provocando sua morte em 11 de maio.
     Cantando a luta e a vida. Fazer um inventário das músicas de Bob Marley é uma tarefa das mais difíceis. São centenas de canções que, além de sua vibrante musicalidade, têm letras que abordam temas dos diversos.
     São de Marley alguns dos mais tocantes hinos à liberdade e contra a opressão. Músicas como No woman no cry e I shot the sherif (“eu atirei no xerife”, que segundo o próprio Marley deveria se chamar “eu atirei na polícia”, título que seria vetado). 
     Há chamados à luta, como Get up, stand up (“levante-se, resista) que, além disso, é exemplar da religiosidade em Marley, com versos que provocaram a ira dos conservadores ao defender que ao invés de ficarmos esperando que o “o grande deus surja dos céus” é preciso “procurar por aquilo que é seu aqui na terra”, “lutando por seus direitos”. Tema que também aparece emRevolution, onde ele canta que “é necessário uma revolução para se chegar a uma solução”.
     Outras canções são carregadas de suingue e sensualidade como Stir it up(uma quase descrição de uma relação sexual, brincando com uma expressão que quer dizer “mexa-se”) ou Is this love, que faz um delicioso convite a diversão no aconchego em uma cama de solteiro. Há, ainda, o singelo otimismo, de músicas como Three little birds (em que “três passarinhos” cantam “não se preocupe sobre nada, tudo vai dar certo”) e Don’t worry, be happy (não se preocupe, seja feliz).
     Como também existem inúmeras referências à África e à luta dos negros, como Buffalo Soldier, que fala sobre um guerreiro roubado da África, obrigado a lutar, nas Américas, pela sua sobrevivência. Tema também recorrente emExodus, Soul Rebel, Zimbabwe e a espetacular Africa Unite, também relacionada com outro tema recorrente de suas música, o movimento Rastafari, que está no centro de músicas como Jah live e Kaya, saudações ao deus Rasta e à cannabis, considerada sagrada na religião. 

Fonte: Disponível em: http://www.pstu.org.br/cultura_materia.asp?id=3066&ida=18, às 20:25h, em 30 de agosto de 2011. 

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A Diversidade como Princípio da Humanidade

por Diney Lenon de Paulo


A diversidade cultural na escola tem sido alvo de diversos estudos e produções acadêmicas. Esse interesse crescente se associa à grande necessidade que educadoras, educadores e profissionais da educação têm demonstrado diante da temática e dos processos e programas de inclusão, combate ao preconceito e valorização da diversidade cultural.
Estudos apontam para falhas ainda presentes em cursos de licenciatura no que tange à temática diversidade cultural na escola. Segundo a professora Carolina Faria Alvarenga (2010), poucos cursos oferecem disciplinas voltadas para a construção do saber sobre a temática. Entre os que apresentam alguma oportunidade para os educandos, estão os cursos de Pedagogia, mas mesmo estes, na maioria das vezes, oferecem disciplinas propícias para a formação em diversidade cultural de forma optativa, sem o devido peso que as mesmas carecem. Nesse sentido, a pesquisadora e professora do Departamento de Educação da UFLA sugere que, “a ausência (ou quase ausência) da discussão de temas tão relevantes para a formação de educadoras e educadores precisa ter seu espaço garantido em cursos de formação continuada, como os de extensão.” (ALVARENGA, 2010, s/p)
O debate acerca da diversidade e, em especial, sobre as relações de gênero, apesar do pouco espaço que possuem na formação de educadoras e educadores tem avançado e contribuído para o reconhecimento desta temática como essencial para a formação de seres mais solidários e menos etnocêntricos. Nesse sentido é possível e necessário compreender que a diversidade se forja no tempo/espaço. Esse complexo que envolve o que vai “além dos costumes” e que “é objeto de intervenção humana, que faz da vida uma obra de arte, inventável, legível, avaliável e interpretável”, segundo GDE (2009) contribui essencialmente para uma nova prática e concepção da humanidade.
Levar educadoras e educadores à reflexão sobre as relações de gênero em momentos de formação continuada é um caminho adotado por diversas políticas públicas de enfrentamento à violência, discriminação e preconceito de gênero. Sabe-se que essas relações são historicamente construídas, portanto podem ser reconstruídas e ressignificadas. Assim, o texto “Diferentes, mas não desiguais”, presente em Gênero e Diversidade na Escola: Formação de Professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais (2009) define com destreza o conceito que a priori pode orientar o debate, ou seja, cultura:

Fenômeno unicamente humano, a cultura se refere à capacidade que os seres humanos têm de dar significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. A cultura é compartilhada pelos indivíduos de um determinado grupo, não se referindo a um fenômeno individual. É como já vimos, cada grupo de seres humanos, em diferentes épocas e lugares, atribui significados diferentes a coisas e passagens da vida aparentemente semelhantes (GDE, 2009, p. 22).

Se culturalmente é estabelecido que homem, ou o masculino deve apresentar comportamento mais “forte”, “durão” e mulher o comportamento mais “sensível” e “meigo” e que “homem não chora” e “mulher é naturalmente destinada aos cuidados para com os filhos”, eximindo o homem desta função, é possível estabelecer outro padrão cultural não hierarquizado, de igualdade e solidário. Contudo, a compreensão desta construção histórica é de suma importância para que ela própria seja mudada. Assim, Braga (2010, p.3) afirma que existem expectativas construídas a partir do sistema binário e dicotômico acerca dos papéis sociais estabelecidos para o feminino e o masculino que nutrem imaginário e as representações sociais. Para definir o que vem a ser esses papéis, a pesquisadora coloca:

Penso que o termo explicita a idéia que há certo repertório de condutas, comportamentos, modos de vida próprios e exclusivos para homens e para mulheres que devem ser aprendidos e desempenhados nas relações sociais (BRAGA, 2010, p. 3).

Considerando as ideias de Braga, é possível perceber que essas representações que se manifestam, dentre outras, nas expectativas sobre os papéis de gênero se manifestam, sobretudo, nos espaços de construção de reprodução das relações sociais, em especial, na família e na escola. Levar educadoras e educadores à reflexão sobre sua prática pedagógica de forma a repensar as relações de gênero se torna imprescindível para a construção de um outro paradigma dessas relações, de igualdade e de percepção da historicidade dos preconceitos e violências cotidianos perpetrados muitas vezes de forma inconsciente por educadoras e educadores no espaço escolar.
A escola se faz assim um espaço propício para a transformação, contrução e re-construção dessa cultura dominante masculina. A capacitação de educadoras e educadores para o ensinar-aprender pode desnudar o caráter reprodutivo dessas relações em questão. Como espaço de construção do saber e das relações sociais, a escola pode servir de antítese nesse processo homogeneizante e ditatorial das relações de gênero “naturalizadas” pela sexualidade normativa.
Repensar os cursos de licenciatura, sua carga horária, disciplinas e enfoque central se faz necessário para a formação de novas educadoras e educadores. Contudo, forjar espaços de capacitação e extensão também se justificam diante do grande movimento que tem acompanhado nos últimos anos a valorização de temáticas relacionadas aos direitos humanos. Esse é um desafio em questão que cabe essencialmente à educadoras e educadores movimentar no sentido da superação dessa situação excludente que acaba por afetar as relações sociais e o desenvolvimento destas.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVARENGA, Carolina Faria. A (re)construção de novos saberes e fazeres sobre as relações de gênero na Educação Infantil. In: Teares: Boletim Informativo. Nº3, Ano I, agosto/2010.

BRAGA, Denise da Silva. Vidas na Fronteira – Corpos, Gêneros e Sexualidades: Estranhando a normalidade do sexo. Disponível em:http://www.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT23-6128--Int.pdf>. Acesso em 14 de abr. 2011.

Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de conteúdo. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009.