sexta-feira, 20 de abril de 2012

O que é o Capital







Introdução

A proposta deste pequeno artigo é compreender o capital enquanto movimento de produção e reprodução de mais valia, ou “mais valor”. Esse princípio metodológico possibilita a sistematização do sistema social baseado na propriedade privada dos meios de produção e divisão e exploração do trabalho, o sistema capitalista. Pretende-se aqui refletir sobre a possibilidade de existir um “capitalismo bom” do ponto de vista de toda a sociedade.
Logicamente não se pretende aqui fazer uma análise profunda sobre o sistema capitalista, mas uma leitura crítica do processo de produção e reprodução do capital dentro dos limites de um pequeno artigo. Essa se dará sobre os principais pontos conceituais da concepção marxista da história e da construção desse sistema social compreendido pela filosofia marxista. Um estudo do desenvolvimento do capital, sua forma de construção e reprodução.

I

O sistema social do capital será analisado sob ótica do materialismo histórico. A categoria do capital é complexa, sendo considerada pela intelectualidade, marxistas e não marxistas, uma das mais importantes ciências históricas da humanidade já produzidas. Sua expressão histórica, desde o século XVI, define toda a constituição da modernidade no Ocidente, impulsiona sua expansão sócio-territorial e promove o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a ferro e fogo, por quase todo o planeta, desenhando um novo mundo, o “mundo globalizado”.
Para Marx, o modo de produção dos bens necessários à sobrevivência do homem determina a constituição da sociedade, do homem e de sua consciência, determina toda a formação social. As relações estabelecidas no espaço coletivo de produção (sobrevivência), as formações grupais nada mais são de que, modos de organização da vida social, onde se criam os modos de produzir os bens necessários à vida humana.
Para fins de esclarecimento, pode-se citar o filósofo francês, radical iluminista, Jean Jaques Rousseau: “o homem é fruto do meio em que vive”. A reflexão marxista parte do princípio que o trabalho é uma categoria humana, somente o homem exerce a capacidade de agir conscientemente sobre o seu meio, transformando-o e sendo transformado também por ele. Ao agir, o homem aprende, memoriza, projeta idéias, conhecimento, se faz um ser capaz, completo, com potencialidades “infinitas” em sua razão.
Em suma, o trabalho é uma condição humana.

II

Mas no sistema capitalista a especificidade humana (pensar e agir conscientemente) é dilacerada, o trabalho é dividido e se torna alienado, o homem já não é o sujeito de seu trabalho, sua força de trabalho é cedida às necessidades do capital. O homem trabalha, mas perde a condição de senhor de seu trabalho e de sua vontade, se transforma numa mercadoria a ser comprada no mercado, a mercadoria mais importante do sistema capitalista, pois é a única mercadoria que ao ser consumida, gera valor, a mercadoria de nome , força de trabalho.
Na verdade, a lógica do capital impulsionou o colonialismo, a formação do mercado mundial, o imperialismo e a denominada globalização (cujo nome preciso é mundialização do capital). As inovações técnico-organizacionais da produção de mercadorias no Ocidente ocorreram determinadas pela lógica do capital. Nesse sentido o surgimento da manufatura e da divisão manufatureira do trabalho, o desenvolvimento da maquinaria e da grande indústria são regidos por uma lógica de produção de valor. (o modo de produção capitalista produz valor. Não interessa o valor de uso - pra que serve! - da mercadoria, mas sim o valor de troca).
O desenvolvimento do modo de produção social de um produto privado, concentrador e excludente impulsiona o surgimento de duas classes sociais antagônicas, em constante conflito, uma a subjugar a outra. A classe burguesa, proprietária dos meios de produção e a classe proletária, (trabalhadores que produzem riquezas) se chocam num movimento dialético (movimento impulsionado pelas contradições: tese - antítese - síntese - tese - antítese - síntese...), um movimento histórico.
O capital definido por “dinheiro” é simples e errôneo. A categoria capital é muito complexa, portanto seu estudo é profundo e amplo. O capital se constitui a partir do modo de se produzir a realidade, de se produzir os bens necessários à sobrevivência do homem, mas se estende, configura um sistema social, um modo de se pensar e agir sobre o mundo, uma ideologia. O capital, enquanto sistema social determina o próprio desenvolvimento da categoria homem, humanidade e civilização.

III

Num primeiro momento podemos afirmar que o capital não é uma coisa, mas uma relação social. Assim o objetivo do movimento do capital é a acumulação de riqueza abstrata, de dinheiro. Esse “fazer dinheiro” se dá através da produção de mercadorias. A base da produção capitalista é assentada na propriedade privada dos meios de produção, na divisão hierarquizada do trabalho. A acumulação de valor abstrato se dá através da exploração do trabalho. O trabalho, nas relações capitalistas de produção é transformado em mera mercadoria (um mero valor de troca), dependente das leis de mercado (oferta e procura, fundamentalmente) O trabalho, diante da existência do “exército industrial de reserva”, o que Marx classificou como a massa de “despossuídos”, desempregados que forçam o valor de troca da força de trabalho para patamares mínimos. O trabalho se torna uma mercadoria importante na produção de mais valia, barata e abundante, para o sistema é essencial, não para o ser humano.
O capital acaba por determinar o metabolismo social de toda a sociedade, se impondo pela força da lei e dos costumes. Marx coloca a seguinte expressão: “a história de todas as sociedades não deixa negar que as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe social dominante”. No sistema do capital as idéias dominantes são as idéias da classe burguesa (proprietários dos meios de produção, indústrias, bancos, terras...). Seus valores: consumismo, individualismo, “endeusamento” da propriedade privada, promovem a alienação do trabalho e da existência do ser humano, esse processo seria definido por Gramsci, como ”desumanização do ser”. A ideologia (conjunto de idéias e valores que visa manter uma determinada ordem social) para Lênin seria o elemento necessário para a formação de uns tantos “operários de barriga, mas burgueses de cabeça”, cegos diante de sua realidade e de sua condição de explorados.
A forma de dominação do capital (o capital precisa dominar, precisa conter os reflexos da contradição que ele próprio gera) se dá pela força, através da lei e se materializa no estado moderno. O estado moderno que nós conhecemos é o estado criado e moldado pela burguesia, ao seu gosto. Outra forma de dominação e manutenção da ordem capitalista é a ideologia, transmitida pela educação, pela família burguesa, pela religião burguesa e hoje, a grande arma manipuladora de mentes, a mídia, ou grandes meios de comunicação de massa. Nesse sentido, o capital cria as condições para a sua reprodução e manutenção do processo, usando de suas armas (estado e ideologia) para conter a contradição do seu movimento.


A expropriação do trabalho, a acumulação de capital e o desenvolvimento do capital


A expropriação do trabalho vivo instaurou a classe social do proletariado. Esse processo determinou a alienação do trabalho. O que significa que o proletário é alienado não apenas do produto do trabalho, mas de todo o processo do trabalho. O trabalho é uma mercadoria muito importante para o capitalista, “é a única mercadoria capaz de gerar valor ao ser consumida”.
O trabalho fragmentado, alienado produz valor abstrato que é acumulado pelo proprietário dos meios produtivos, esse valor abstrato tem de ser investido no desenvolvimento do próprio capital, pois a livre concorrência faz do capital um sistema em constante transformação das técnicas produtivas com vistas à liberdade econômica, de se produzir mais e mais com vistas ao lucro e aplicação desse na reprodução do sistema..
Deste modo, poderíamos dizer que, é o movimento de acumulação de riqueza abstrata que denominamos capital. É aquilo que poderíamos expressar através da fórmula desenvolvida por Marx: D-M-D (onde D é dinheiro e M é mercadoria). Ou seja, o capitalista investe um valor x de dinheiro para a produção de mercadorias que, ao serem vendidas no mercado, após serem processadas pelo trabalho e acumulado o valor produzido por este, se transformam num valor x de dinheiro (o lucro). É isto que interessa ao capitalista: o acréscimo da riqueza abstrata, o lucro, o “mais-valor”, resultado desse movimento de valorização do valor. Ele não se interessa pelo valor de uso das mercadorias, mas pelo seu valor de troca, pois este sim permite a acumulação da riqueza abstrata. Esse valor abstrato é o que Marx denominou mais-valia. O capital se move nesse sentido. Essa compreensão é que faz de Marx quase um “profeta”, mesmo que um profeta baseado no materialismo, ao prever a formação de blocos econômicos mundiais de poder e movimentação do capital.
A lógica de acumulação do capital assumiu num primeiro momento uma forma de acumulação primitiva. É necessário que haja grande quantidade de capital (dinheiro) para o desenvolvimento do “fazer dinheiro” (D-M-D). Nesse sentido podemos entender o processo histórico da colonização, do mercantilismo (exploração de matéria-prima das colônias para a demanda industrial das metrópoles). Essa fase foi importante para que o capital pudesse acumular forças para o seu pleno desenvolvimento. O surgimento do capitalismo comercial teve o seu desenvolvimento acentuado no século XVI e XVII, tendo sido a Inglaterra, o berço do capitalismo.
A acumulação do capital é uma forma violenta de relação social. Marx afirma que “o capitalismo nasce com as mãos sujas de sangue, com a infâmia da escravidão moderna”. A escravidão moderna representa um momento de acumulação primitiva de capital e com a construção da revolução industrial, o trabalho escravo deixa de existir (na concepção de que escravo seja um “semovente”, porque escravos ainda existem, sob vários focos de leitura), esgotados pela formulação de capital suficiente para o avanço do capitalismo, os escravos se tornam “livres”, ou assalariados (mercadoria variante de acordo com as leis da economia, de Adam Smith). A acumulação de capital se constitui num processo violento, de formação de uma sociedade “organizada” para explorar o trabalho em função do desejo do lucro, ou reprodução do capital.



As constantes transformações do capital, sua crise estrutural e o movimento da dialética

O capital se constituindo em sistema social está presente em nossa vida. Esse sistema que gera uma contradição latente entre classes que ele antagoniza, a burguesa e a proletária, tem todo um movimento contraditório ao movimento do capital e fácil é de perceber que pensando materialmente, nas condições de vida e trabalho, a classe proletária existe, é uma classe volumosa, capaz frente uma classe numericamente ínfima, mas com grande poder de manutenção da ordem do movimento do capital.
Crises são constantes do sistema capitalista, ele é em si, sua própria morte. Marx bem colocou que o capitalismo gera, acima de tudo, seus próprios coveiros. O capital é destrutivo ao homem, é um sistema individualista, predatório, desumanizante. Todos os avanços científicos, toda a ciência média, todo progresso requer acesso econômico. Tudo no sistema capitalista tende a ser “mercantilizado”, até mesmo alimentos, água, remédios... O capital necessita dessa apropriação das coisas em sua função, pois sua existência se baseia num movimento de expropriação, exploração e acumulação. Assim se faz o capital que é o movimento base de toda a sociedade capitalista.
Inverter essa lógica é imprescindível para a possibilidade de se transformar a realidade em que vivemos, para re-direcionar nossa “evolução”, ou, fazer a “revolução”. O capitalismo é um sistema de inteligência, dinâmico, científico, mas que visa sua auto-reprodução, explora, acumula e divide os homens. Diante dessa constatação material, cabe àqueles que vivem a antítese desse processo, os trabalhadores conscientes, organizados, unidos fazer a roda da história mudar o sentido. Libertar o trabalho dessa condição, humanizá-lo e torná-lo um instrumento social, voltado para o coletivo de produção da existência humana, são objetivos dos que lutam conscientemente contra o capital.
Os meios que produzem os bens necessários à vida jamais poderão ser propriedades de indivíduos, propriedades privadas em função do egoísmo social. Revolucionar a forma de pensamento, questionar a propriedade privada, a função do trabalho e o resultado, ou produto deste, qual a sua finalidade... Isso deve ser feito, refletido, pois o capital nos levará rapidamente para o fim da existência humana, com certeza, sua forma de produção e reprodução são danosas ao meio ambiente, ao ser humano, a toda humanidade.
Compreender para transformar! Não é possível capitalismo “bom”, nem tampouco “justiça” nesse sistema, o capitalismo procura enganar, iludir, mas sua lógica é autodestrutiva, tudo gera em torno do seu movimento. A antítese, diante do avanço do capitalismo e seu desenvolvimento, se fortalece, mas, a história não se faz por si só, ela é feita pelas mãos dos homens e mulheres que se lançam para a luta. Barrar o sistema do capital é uma luta pela humanidade primeiramente, depois uma luta pelo socialismo.


Bibliografia:

ENGELS, F., MARX, K. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2001.

LENIN, W. I.. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. 3ª ed. São Paulo: Global, 1980.

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo, Martin Claret, 2002.

MÉSZÁROS, István. Formas Mutantes do Controle do Capital. In: Apostila: Curso de Extensão Universitária: Trabalho e Globalização / UNESP, 2004

Diney Lenon de Paulo

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Lei de Anistia pode ser revista, diz Promotor Militar


 Tese jurídica abre novo caminho para investigar desaparecimento 

forçados e reanima debate sobre a validade da Lei da Anistia

Disponível em: www.brasildefato.com.br

 

Promotor militar explica tese jurídica que abre brecha na Lei da Anistia

 

Otávio Bravo conseguiu reabrir, em fevereiro de 2010, 29 casos de desaparecimentos forçados praticados no Rio de Janeiro e Espírito Santo durante a ditadura

“Eu tenho curiosidade de saber como o STF vai julgar a tese que define desaparecimentos políticos na ditadura brasileira como sequestros. Essa tese o Supremo não avaliou ainda”. A declaração é do promotor militar Otávio Bravo. Equiparando o crime de desaparecimento forçado ao crime de sequestro, o promotor encontrou um novo caminho para investigar estes crimes cometidos durante a ditadura e reanimou o debate sobre a validade da Lei da Anistia. 

Nesta entrevista exclusiva concedida ao Sul21, ele explica em detalhes a tese jurídica utilizada para retomada das investigações e faz interessantes avaliações sobre os desafios que a Comissão da Verdade terá para trazer à tona informações relevantes sobre o período de exceção. Sobre a instalação da comissão, Bravo destacou um dos principais entraves para investigar os anos de chumbo: a dificuldade de ter acesso a documentos dentro e fora das Forças Armadas. 
O promotor conhece bem as barreiras impostas não só pelos militares para ter acesso a arquivos que demonstrem o que ocorreu nos porões da ditadura. Ele revelou que a seccional da OAB do Rio de Janeiro também está criando empecilhos para encaminhar documentos solicitados. 
Mesmo sabendo das inúmeras dificuldades e ainda com sérias dúvidas do potencial da Comissão da Verdade, Bravo disse que apoia a iniciativa. “Qualquer investigação sobre ditadura militar é válida”, lembrou. 
Sul21 – Vinte e nove casos de desaparecimentos forçados foram reabertos pela Procuradoria da Justiça Militar. Quero que o senhor comece explicando a tese utilizada para reabrir esses casos.
Otávio Bravo - Foram três fatos determinantes. O primeiro foi a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o caso Araguaia, a qual determinou que o Brasil tem obrigação genérica de investigar os casos de desaparecimentos forçados, não só os que ocorreram no Araguaia, mas em geral. O segundo foi o fato do Brasil ter ratificado no final de 2010 a “Convenção Internacional contra o Desaparecimento Forçado” da Organização das Nações Unidas (ONU). E a tese jurídica que permitiu a abertura dos processos veio do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), de dois casos de extradição julgados em 2009 e 2011 de pessoas que teriam participado de crimes durante o estado de exceção na Argentina. Existe uma figura jurídica que só permite ao Estado a extradição de uma pessoa quando o crime não está prescrito no país da extradição, ou seja, o Brasil só pode extraditar pessoas se o crime não está prescrito na lei brasileira. Ao tratar das várias acusações contra essas duas pessoas, o STF até negou a extradição para uma série de atos que eram imputados a estes militares, mas entendeu que os desaparecimentos forçados equivaliam ao crime de sequestro que é considerado no Brasil um crime permanente. 
Sul21 – O que é exatamente um crime permanente? Que mudança esse entendimento trouxe para a investigação de desaparecimentos forçados?
Otávio Bravo - É crime permanente aquele crime cujo final não se comprova. Portanto, presume-se que ele ainda está acontecendo até que se tenha certeza que acabou. De modo que o prazo de prescrição destes crimes permanentes é quando o sequestro chega ao final. A minha iniciativa foi apenas transportar essa tese utilizada nas extradições para os casos de desaparecimentos forçados no Brasil que também equivaleriam a sequestro pois não se sabe quando terminaram, não estão prescritos e logo não são cobertos pela Lei da Anistia que vai até 1979. Isso tudo deu embasamento jurídico para iniciar as investigações. Não significa dizer que todos os casos levarão militares ao banco dos réus já que as investigações podem levar a conclusão de que desaparecidos podem ter morrido antes de 1979 e os casos estarão prescritos e anistiados. A ocultação de cadáver também é permanente é só é considerado prescrito quando o cadáver aparece. Aí eu teria uma opinião para remeter para o Ministério Público Federal (MPF), a Procuradoria da República, porque o crime de ocultação de cadáver não é de competência da Justiça Militar, é da Justiça Federal. A base jurídica, em resumo, é essa. 
Sul21 – Por que estes crimes permanentes são de competência da Justiça Militar?
Otávio Bravo - Esses casos particulares são de competência da Justiça Militar porque envolvem sequestros ocorridos dentro de unidades militares, pessoas desapareceram dentro de unidades militares com militares exercendo função. Isso faz, pela legislação brasileira, que seja competência da Justiça Militar. É verdade que em determinado momento eu pretendo abrir mão dessa investigação com base na recomendação expressa da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de que casos de desaparecimentos forçados não devem ser julgados pela Justiça Militar. 
Sul21 – Qual é a alegação da Corte?
Otávio Bravo - Seria um contrassenso usar o argumento de uma decisão da corte e no final levar um caso desses para a Justiça militar. Embora eu seja da Justiça militar, eu sou um promotor civil. Eu entendo a posição da corte, eu milito na área dos direitos humanos, eu entendo, mas eu acho até um pouco injusta essa recomendação da corte porque a Justiça militar que nós temos no Brasil faz parte do Judiciário e ela não tem uma série de vícios que a Justiça militar de outros países tem. O fato é que a corte determinou isso: que casos de desaparecimentos forçados praticado por agentes militares não sejam julgados pela justiça militar. Então eu devo encaminhar para o MPF. 
Sul21 – Essa tese de desaparecimento forçado por agentes públicos foi utilizada em outros países que tiveram ditaduras militares como a Argentina, Uruguai e Chile?
Otávio Bravo - Na verdade, nesses países as teses foram mais amplas, decretaram na Argentina, por exemplo, uma abrangência muito maior, são os chamados crimes contra a humanidade, crimes de genocídios que são crimes imprescritíveis por causa de convenções internacionais. No Brasil, o STF não aceitou essa tese e declarou válida a Lei da Anistia. O que se fez na Argentina, Uruguai e Chile foi muito mais amplo do que se fez no Brasil. No Brasil, se está discutindo ainda e, na primeira manifestação, o Supremo declarou que a Lei da Anistia continua de pé. Isso que está se falando de sequestro é uma tese única para investigar o crime de sequestro. Mas, por exemplo, se chegar a conclusão que houve um homicídio ou o crime de tortura não se pode fazer nada enquanto a decisão do Supremo não mudar. O Supremo já julgou, mas agora vai reavaliar um embargo de declaração. Eu sinceramente não acredito que o Supremo mude de posição, para mim vai continuar deixando a Lei da Anistia válida. Mas eu tenho curiosidade de saber como o supremo vai lidar com essa tese de sequestro, já que essa tese o Supremo não avaliou ainda. 
Sul21 – Quem foram os relatores do STF que abriram essa brecha para que pelo menos os crimes de sequestro fossem investigados? E que dia foram reabertos os casos?
Otávio Bravo - Foram reabertos em fevereiro de 2010. A extradição de 2009 foi relatada pelo ministro Ricardo Lewandowki e a outra foi relatada pela ministra Carmem Lúcia. As duas extradições foram pedidas pela Argentina. Eu tenho curiosidades de como o STF vai dizer que isso não se aplica a desaparecimentos forçados no Brasil. 
Sul21 – O senhor está investigando o caso do ex-deputado Rubens Paiva que desapareceu em 1971 nas dependências do Doi-Codi no Rio. Como está sendo essa apuração?
Otávio Bravo - Na apuração do caso do ex-deputado Rubens Paiva já cheguei a algumas coisas interessantes: a filha dele — que nunca tinha sido ouvida e que tinha quinze anos na época do desaparecimento — prestou depoimento. A verdade é que não havia investigação até agora do caso, houve um inquérito que acabou arquivado. A cópia deste inquérito está desaparecida, uma coisa meio estranha. Está em algum lugar incerto. 
Sul21 – Outro caso emblemático dos anos de exceção é o caso do Stuart Angel, filho de Zuzu Angel, que teria sido espancado e arrastado por um carro com a boca no cano de escape. O senhor poderia contar como está sendo a investigação?
Otávio Bravo - Ainda não iniciei esta investigação. 29 casos foram abertos mas apenas 3 investigações estão em curso. 
Sul21 – Qual sua opinião sobre as investigações que serão realizadas pela Comissão da Verdade? Que impacto os relatórios produzidos pela comissão poderão ter?
Otávio Bravo - Eu não sei. Depende muito da extensão que a Comissão da Verdade possa ter. Eu ainda não tenho nada que possa me assegurar qual será o impacto político da comissão. Necessariamente acho que uma comissão que tenha amplos poderes para investigar o que passou e que tenha acesso a documentos poderá ser ótima. Não sei se será mais um palco político do que propriamente um espaço de investigação, mas qualquer iniciativa para apurar o que aconteceu naquele período eu acho importante. Agora, não tenho realmente como fazer juízo de valor porque ainda não está funcionando. 
Sul21 – Mas o senhor conhece bem a dificuldade de acesso a dados sobre este período da história brasileira.
Otávio Bravo - Eu tentei várias vezes ter acesso a dados nas Forças Armadas, mas foram negados; dizem que todos foram destruídos. Criam situações até meio ridículas, situações burocráticas que não têm sentido. Por exemplo, uma vez encaminhei uma requisição e eles alegaram que teria que ser encaminhada pelo procurador geral. Criam dificuldades, falta vontade de contribuir. Ao mesmo tempo há umas surpresas desagradáveis, a seccional da OAB no Rio de Janeiro, por exemplo, é uma vergonha. Diversas vezes mandei ofício pedindo informações e nunca me responderam. Eles têm uma campanha contra tortura e pelos desaparecidos políticos que, para mim, não tem valor nenhum. Se existe um órgão que está investigando o assunto e eles não encaminham informações é bastante estranho. Mas também tenho que ressaltar o apoio que tive da Secretaria de Direitos Humanos, da qual não tenho do que me queixar.