sábado, 3 de abril de 2010

Elitismo


Como poderia a democracia ser desenvolvida dentro dos partidos políticos era a questão inicial dentre a linha do pensamento da Ciência Política denominada elitismo. A concentração de poder, a cristalização das lideranças e a “oligarquização” interna dos partidos, eram questões paradoxais expressas nos partidos que se apresentavam como guardiões da democracia.
A cidadela iluminista, embasada na racionalidade, desde seus primeiros passos sofrera uma severa hostilidade por parte dos remanescentes do antigo regime. A idéia de igualdade e a de que a democracia é o processo de desenvolvimento do ser humano em suas potencialidades, desde de seus primórdios, em fins do século XIX era centrada no ceticismo e em enormes resistências. Mosca, Pareto e Michels são os seus “pais fundadores” que desenvolveram essa ciência já na primeira metade do século XX.
Segundo Pareto, “ há em todas as esferas e todas as áreas de ação humana, indivíduos que se destacam dos demais por seus dons, por suas qualidades superiores. Eles compõem uma minoria distinta do restante da população – uma elite”. Já Mosca, em The ruling class (1923), desenvolve sua concepção de que existem duas “classes de pessoas”, a dirigente e a dirigida, sendo que a primeira se distingue da segunda pelo seu alto nível de organização. Michels estudou o interior dos partidos políticos ditos “guardiões da democracia” e percebeu que nesses partidos havia práticas similares ao nepotismo, do favorecimento e da cooptação e muito pouco valor dado ao destaque por mérito, à concorrência, e também à eleição.
Um dos pontos que mais desperta interesse e discussão na teoria elitista é a idéia de igualdade entre os homens. A massa da população, segundo essa teoria, é facilmente manobrável e influenciada por aqueles que se destacam em sua oratória, seu poder de persuasão e carisma. O exemplo usado por esses pensadores é a assembléia popular. Nessa, as pessoas, em sua maioria, estão expostas à ação de “oportunistas”, que desempenham o papel de lideranças e “que se aproveitam do imprevisto, de instintos e desejos primitivos, de elementos inferiores caracterizados por um baixo valor mental” a que as pessoas estão submetidas nesse contexto, acabando por impor as suas vontades particulares em detrimento das reais aspirações da maioria.
Tanto a sociedade capitalista, quanto a sociedade socialista, como qualquer outra sociedade possuem a sua elite, a sua “classe dirigente”. Isso é comprovado por fatos evidenciados por esses regimes, onde o que os difere parece ser o seu objetivo de manutenção e concentração do poder político em função da vulnerabilidade da massa popular aos intentos de oportunistas.
A democracia, tal qual concebida pelos princípios iluministas sofre assim um revés na sua aplicabilidade. Um exemplo levantado pelos defensores da teoria elitista é o fato de que na primeira metade do século XX, a massa, manobrada por demagogos, se encaminhou ao regime totalitário, iludida. A ampla base popular passivamente anestesiada pelo discurso oportunista rumou para a negação da democracia.
Num estudo de caso sobre o elitismo contemporâneo
No princípio do século em que vivemos podemos analisar, a partir de tais reflexões teóricas e históricas, o quão presente se faz esse pensamento entre os partidos de esquerda brasileiros, ditos “neoguardiões da democracia”, defensores da participação popular.
Um exemplo a considerar é a política desenvolvida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em seus programas de participação popular como o “Orçamento Participativo”. Com um discurso populista e demagogo que nos remete aos oportunistas apresentados acima, as reuniões do Orçamento Participativo (OP), são abertas à participação da população, mas as mesmas são conduzidas por representantes do alto escalão executivo que apresentam as regras do OP, a começar pela reduzida parcela do orçamento geral destinado à “participação popular” e pelas obras que podem ser incluídas, ou não no OP.
Os condutores da reunião, escolhidos a dedo, apresentam uma série de dados técnicos incompreensíveis para a maioria dos cidadãos, tentando justificar a negação de algumas demandas levantadas em assembléia. Muitas vezes questões pontuais e críticas ao processo são levantadas pelos participantes e pontualmente os “guardiões da democracia” se colocam na defesa de seus superiores, sua elite, e com toda a oratória que dispõem e todo o poder de persuasão lutam por derrubar questões levantadas pela maioria, até que conquistam uma parte desta e assim reformulam a vontade da maioria.
Isso foi evidenciado pelo autor deste artigo quando da reunião do OP em seu bairro, onde a maioria almejava a construção de casas e uma creche, mas os “oportunistas de plantão” se fizeram persuasivos, explicando que não seria possível, devido ao plano municipal de habitação já estar programado e a verba do OP ser reduzida, não cabendo a esse, aplicar políticas deste tipo. Percebia-se que aqueles condutores da reunião tinham objetivo diferente da proposta inicial, sua intenção era projeção pessoal, pois ali encontravam-se pessoas eternamente “pré-candidatas” e, se por um acaso ali alguém se manifestasse com potencial de liderança fazendo críticas, esse alguém logo seria podado pelos “detentores natos da liderança”.
Em Poços de Caldas, a “Administração Popular do PT”, se resume a um reduzido grupo, uma elite que se reveza no poder. Secretário de Assistência Social deixa cargo e assume Imprensa, Secretário de Administração é Secretário Serviços Urbanos, Vice-Prefeito é Secretário de Obras, enquanto a massa popular é mantida no seu devido lugar à espera de sua participação em 2004. Vê-se assim que a elite que se encontra no poder não pretende abrir mão deste, já que o considera como propriedade sua. Toda essa propaganda de “Administração Popular e Participativa” é necessária para legitimar a permanência de uma elite no poder.
Muitas comissões especiais de participação popular foram criadas, envolvendo setores interessados, como a de cultura, esportes, políticas públicas de juventude... mas todas são compostas em sua maioria por representantes da elite governamental.
A própria esquerda brasileira tem práticas elitistas, a diferenciação se encontra no objetivo destas. Muitas vezes, em função das forças maiores que regem nossa sociedade capitalista impedem que se aplique a “democracia utópica”. As classes dominantes, detentoras do poder político e econômico lutam por minar toda a forma de construção e conscientização do poder popular. As pessoas que atuam junto à esquerda se formam nesse contexto a absorvem esses vícios sem pensarem no paradoxo que representa a manutenção do elitismo demagogo. O que acontece é que a defesa dessa elite se torna, muitas vezes, alienada e inconsistente.
Existe toda uma série de fatores que impedem o desenvolvimento pleno da democracia, as elites oportunistas são uma deles. Essas elites se apropriam do poder político que lhes conferem as massas e passam a conduzi-las em benefício próprio. Mas existe a elite progressista messiânica que acredita ser a detentora da salvação da massa ignorante e que muitas vezes se perde nessa argumentação, pois afastam a massa popular das discussões centrais e decisões, deixando-as como cordeiros passivos, meros espectadores.
A elite que se espera é a elite de vanguarda, que estando um passo à frente não pretenda assim se manter, mas sim construir uma consciência junto à massa para que essa se desenvolva e assuma o seu papel histórico. A elite socialista se difere nesse ponto, a vanguarda consciente que almeja a construção da sociedade comunista, onde todos possam desenvolver a sua capacidade crítica e racional para que não fiquem reféns de demagogos oportunistas.
É necessário forjar uma elite de vanguarda, progressista e altruísta. Combativa diante da demagogia e do distanciamento e isolamento social de muitos grupos de comando. Essa elite carece de ser histórica e desempenhar sua “missão” de ampliar a consciência de classe, denunciar os limites institucionais da democracia burguesa para radicalizar a ação popular no sentido de se fazer a teoria elitista um tanto quanto abstrata e distante de uma realidade plural, horizontal e socialista.

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