segunda-feira, 24 de outubro de 2011

As redes sociais na redação do ENEM. Um tema sociológico contemporâneo



  por Diney Lenon de Paulo


Seria, com certeza, a Sociologia responsável por, no mínimo, 50% da nota do ENEM, pois a redação que é o item que avalia a capacidade de leitura crítica do estudante, sua colocação no mundo e leitura deste, é  trabalhada a partir de uma temática essencialmente sociológica.


Introdução

A Educação Básica e o ENEM, um diálogo entre surdos e mudos

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM desse ano é um assunto contemporâneo que tem levantado questões importantes para pesquisas em Ciências Sociais, em especial para a Sociologia. A ciência social criada no final do século XIX pelo francês Émile Durkheim teve no final do século passado, com o advento da informatização e da criação de novas tecnologias de comunicação grande crescimento do estudo sobre esse fenômeno de articulação, comunicação e democratização das informações que compõem as “redes sociais”.
O Ensino Médio conta atualmente com a obrigatoriedade da presença da Sociologia na grade curricular e a legislação determina a “número de aulas suficientes”. Essa questão abre espaço para interpretações conservadoras que acabam por colocar a disciplina de forma tímida diante das tradicionais disciplinas de matemática e língua portuguesa. Esse equívoco acaba por não possibilitar o pleno desenvolvimento da disciplina e comprometer o cumprimento de seu maior objetivo: desenvolver a consciência sobre a realidade social de sujeitos históricos.
Com o devido respeito que as demais disciplinas merecem, abordar questões como as redes sociais é premissa da Sociologia ao articular conhecimentos básicos das Ciências Sociais. O que se percebe entre a dicotomia entre as grades curriculares da maioria das escolas brasileiras e o enorme peso que a Sociologia possui no Exame Nacional do Ensino Médio é uma necessidade de readequação premente para a garantia dos direitos dos estudantes e, antes de tudo, dos cidadãos brasileiros que freqüentam as escolas de Ensino Médio da Educação Básica.
Nas questões gerais das Ciências Humanas, a Sociologia é prima-irmã de todas as demais ciências sociais. Ao examinar as questões do ENEM, tanto desse ano, como do ano 2010, é possível identificar a necessária compreensão sobre fenômenos objetos da Sociologia, como movimentos sociais, democracia e cidadania, negritude, gênero, direitos humanos, trabalho, relações de poder, ou “política”. Nesse sentido não se pode falar de disciplina da área de Ciências Humanas de maior peso na avaliação.
Havendo a necessária exposição sobre a motivação deste texto, há de se formular uma leitura sociológica sobre o tema da redação visando nada mais do que pontuar o que a Sociologia tem produzido acerca da questão para colocar o devido crédito da disciplina que ainda busca seu reconhecimento.


Redes Sociais, “espaço” de comunicação e construção de identidades e relações de poder

Nesse novo milênio que se inicia, as novas tecnologias têm proporcionado um emaranhado de possíveis relações sociais, sejam elas de comunicação, construção e re-construção de identidades e também de relações de poder. Manuel Castells, em sua colocação no Fórum sobre Informação, Poder e Ética no Século XXI, alertou para a superação dos limites tradicionais das instituições políticas que o advento da comunicação via internet tem possibilitado. Como exemplo, o sociólogo citou o movimento social conhecido como “Primavera Árabe”, quando, a partir do suicídio de um jovem tunisiano no final de 2010 (mero estopim diante da realidade econômica do país) um grande movimento veio a se proliferar pelo norte do continente africano e também pelo Golfo Pérsico.
Tunísia, Egito, Bahein, Marrocos, Líbia, Síria serviram de exemplo para países de todo o mundo que têm visto um movimento espontaneísta emergir de redes sociais como , twitter, youtube, msn, facebook e sms. O ano 2011 tem se demonstrado como um marco histórico da articulação de movimentos sociais, sejam orgânicos e tradicionais, sejam espontâneos. A Primavera Árabe, que surgiu contra governos ditatoriais tem sido o exemplo da possibilidade de transformação que tem “contaminado” as mais célebres democracias liberais, como Espanha, Itália, Grécia, Israel e surpreendentemente os Estados Unidos da América.
O exemplo citado por Castells nos remete ao poder que a internet tem demonstrado ao criar uma nova relação de comunicação mídia, uma comunicação horizontal em que “hoje, o jogo do poder depende também das novas mídias, via internet e celular, que são redes horizontais ou autocomunicação de massas”. Esse fenômeno mídia há tempos tem sido estudado a partir da influência desta na formulação de identidades. É complexo pensar um cidadão angolano compartilhando características culturais semelhantes às de um hondurenho, ambos saboreando um Mac’lanche. Também é de se assustar ao perceber que uma comunicação entre um brasileiro e um japonês pode ser mais fácil do que a entre um piauiense e um sergipano, claro, se os dois primeiros tiverem acesso às tecnologias em questão e os últmos não. Esse estudo sobre as identidades globais, sobre a “aldeia global”, sobre a “fábrica global” são muito bem abordados pelo sociólogo brasileiro Octávio Ianni, em seu livro Teorias da Globalização, contudo, os estudos sobre as relações de poder proporcionadas por esse novo fenômeno ainda carecem de aprofundamento, pois uma coisa é inegável: não existe mais informação que não tenha a possibilidade de réplica e tréplica ressonante com os novos meios de comunicação horizontais.
Uma característica desse fenômeno acaba por enevoar a sua compreensão pormenorizada, trata-se da velocidade em que as coisas se sucedem. Eric Hobsbawn, conceituado historiador inglês, autor de livros como “A Era dos Extremos”, tem falado sobre essa velocidade que tem impedido a leitura do mundo real, principalmente para a juventude nascida nesse “turbilhão global consumista, descartável e imediatista”. Superando essa dificuldade é possível perceber que essa velocidade do mundo descartável tal qual nos é apresentado pode ser entendida a partir da leitura de três mundos, como nos apresenta o geógrafo Milton Santos: o mundo da globalização enquanto fábula; o mundo como perversidade e o mundo possível. Pois é exatamente esse outro mundo possível que norteia as aspirações dos movimentos sociais emergentes das redes sociais.
O maior geógrafo brasileiro nos dá de exemplo a possibilidade que uma determinada realidade pode ter de se colocar mundialmente e angariar apoio para sua causa. No filme do cineasta Silvio Tendler, “Encontro com Milton Santos” é possível ver a ação de cineastas que produzem imagens de realidades não padronizadas pelos grandes meios de comunicação “navegando pela rede”, alcançando espaços antes inacessíveis. Uma tribo indígena, a partir do uso de bens produzidos pela globalização perversa, ou seja, de câmeras digitais registrarem desmatamentos e postarem as imagens em redes sociais, como youtube e obterem apoio de entidades ambientalistas dos quatro continentes. Esse apoio costurado em rede é elemento constitutivo do que Milton Santos classifica como outra globalização possível. Pois parece que a Primavera Árabe e o mais recente movimento dos “Indignados” aprenderam com o grande mestre.
As redes sociais têm sido uma grande arma de articulação política. Essa articulação política tem ultrapassado os limites institucionais e obrigado a “maneira tradicional de se fazer política” de muitos politiqueiros ser repensada. A democracia representativa, onde os cidadãos são os que elegem seus dirigentes e aguardam mais quatro ou cinco anos para poderem participar novamente está com seus dias contados. Nas redes sociais informações sobre ações políticas, de parlamentares e de governo são postadas em rede. A Agora, antiga praça grega onde a democracia era exercida pelos cidadãos se tornou planetária e cabe aos governantes se envolverem com essas novas tecnologias e aceitarem esse movimento democrático, ou arcarem com as conseqüências possíveis de novas praças Tahir’s (Praça Central da capital egípcia ocupada por meses pela população até a queda do ditador Mubarak).
Até a maior potência mundial tem vivido os reflexos desse novo fenômeno com o movimento “Occupy Wall Street”. Uma grande ocupação do maior centro financeiro mundial por parte de estudantes, desempregados, sindicatos e militantes de movimentos sociais articulada pelas redes sociais tem tirado o sono de Barack Hussein Obama. A crise econômica, a alta taxa de desemprego têm sido elementos aglutinadores do povo estadunidense que se mobilizou em mais de 50 cidades nos últimos dias, apesar do silêncio dos grandes meios de comunicação.
Um outro exemplo espetacular da capacidade de articulação possível através das redes sociais é o nosso vizinho e irmão país Chile. País que viveu décadas de políticas neoliberais implementadas a ferro e fogo pela ditadura sanguinária de Pinochet se surpreende com o movimento “de los estudientes del Chile”, que têm parado todo o país em busca de uma educação pública, fato que tem feito o Presidente Piñera reprimir violentamente os jovens secundaristas e os movimentos sociais nas ruas. Um ponto elementar nessa realidade é a presença marcante da vanguarda juvenil que tem mobilizado as lutas sociais, tanto do Chile como dos outros países abordados.
Esse fenômeno inserido na globalização, ou mundialização da economia capitalista que, consequentemente tem criado mais desigualdades sociais será tema de inúmeros estudos nas Ciências Sociais, especialmente entre a Sociologia e a Ciência Política. O que se espera é que da espontaneidade haja um avanço para uma consciência maior, mais engajada e que a democracia institucional esteja apta a se reformular de acordo com as demandas que virão com a mesma velocidade do fenômeno.


Enfim, ou considerações finais

O eixo central de reflexão do presente texto abordado como tema de redação do ENEM-2011 só faz aumentar a necessidade do Ensino Médio da Educação Básica ser repensado em sua grade curricular e que disciplinas como Sociologia tenham maior reconhecimento devido à sua importância no contexto histórico e educacional brasileiro e mundial.
Trabalhar o conhecimento sobre as redes sociais é obrigação de todas as disciplinas, de forma interdisplinar, contudo, mister da ciência da sociedade. Uma nova sociedade de cidadãos conectados, sujeitos portadores de direitos e conscientes do mundo passa necessariamente pela leitura sociológica, crítica e cidadã.



Um comentário:

  1. Garoto, isso dá uma dissertação!!! :)
    Quer trocar uma figurinha??? Meu e-mail: zielles@hotmail.com, sou graduada em sociologia, e atuo como professora para o ensino médio. Quero desenvolver pesquisa nessa linha de pensamento.

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