segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Brasil e Haiti. Entre tanques e mandiocas


Por Diney Lenon de Paulo

     O Haiti é um pais situado no Caribe, com uma área de aproximadamente 27 mil Km² onde sobrevivem mais de 9 milhões de pessoas, 95% das quais, negras vivendo na mais absoluta miséria.
     Esse país é referência há muito tempo em questões de pobreza e problemas sociais, mas desde 2010, com o terremoto que ceifou a vida de mais de 200 mil pessoas, ou mais adiante para nós brasileiros, desde 2004, quando o Brasil resolveu impulsionar sua luta pela cadeira no Conselho de Segurança da ONU, é um dos focos centrais da política externa pseudo-imperialista tupiniquim.
     Acontece que no segundo ano do primeiro mandato do Presidente Lula, o Brasil assumiu a liderança da missão militar das Nações Unidas naquele país, vendendo a imagem de “bom moço” para a comunidade internacional num momento de crise institucional provocada por um golpe de estado orquestrado pelos governos estadunidense e francês. O Brasil desde então comanda a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, a MINUSTAH.

A MINUSTAH é composta por mais de 6 mil soldados
liderados pelo Brasil desde 2004

     Jean Bertrand Aristide, Presidente democraticamente eleito pelo povo haitiano sofreu um golpe de estado em 29 de fevereiro de 2004. De origem religiosa, é considerado pelos seus apoiadores um seguidor da teologia da libertação. Aristide afirma ter sido seqüestrado por militares estadunidenses e retirado à força do poder e desde então vive refugiado na África do Sul. Segundo seu advogado, Ira Kurzban, o que houve no Haiti em 2004 não foi uma rebelião, mas um golpe de estado operado e equipado pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos depois que a CIA selecionou um grupo de pessoas treinadas na República Dominicana. Contudo, o que nos interessa nesse artigo é a participação do Brasil no Haiti após esse episódio polêmico.
     Com o golpe de estado, grupos apoiadores de Aristide entram em confronto com as milícias desestabilizadoras e o país submerge em uma crise institucional em meio à secular crise humanitária. O mundo volta seus olhos para esse pequeno pais das Antilhas de grande importância estratégica. A ONU prontamente, como tem feito nas última décadas, assume seu papel de mantenedora dos interesses imperialistas e aprova o envio de uma missão militar para a “garantia da segurança” e estabilidade naquele país. É nesse momento que a política externa lulista se habilita a comandar as tropas da MINUSTAH.


Em 29 de fevereiro de 2004, o primeiro Presidente democraticamente
eleito no Haiti é derrubado através de um golpe de estado orquestrado por Washington

     Um país arrasado economicamente, cujo eixo econômico é focado na agricultura e nos serviços e com baixo índice de industrialização, o Haiti historicamente detém uma balança comercial desfavorável, mantendo relações comerciais essencialmente com os Estados Unidos, servindo para este de celeiro de mão-de-obra barata, semi-escrava, para a produção de vestuário e consumidor de algodão e cereais. Cerca de 66% do que era exportado em 2009 pelo Haiti tinha destino solo ianque e deste país chegava 45% das importações haitianas. Nesse ritmo, a balança comercial fechou o ano 2009, pouco antes da catástrofe sísmica, o Haiti tinha um déficit de 1,4 bilhões de dólares, ou 21% do seu Produto Interno Bruto.
     O General Augusto Heleno Ribeiro Pereira foi escolhido para ser o comandante da MINUSTAH, que abarca mais de 6000 soldados de Argentina, Benin, Bolívia, Brasil, Canadá, Chade, Chile, Croácia, França, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru, Portugal, Turquia e Uruguai. Em 2006 o General Urano Teixeira da Matta substitu o primeiro comandante, mas um ano depois é encontrado morto em seus aposentos, segundo relatos oficiais cometera suicídio. Outros comandantes passaram pelo posto sendo hoje, o General Floriano Peixoto Vieira Neto o comandante da missão.



General Augusto Heleno, Comandante das forças
militares que ocuparam o Haiti em 2004

     O Brasil, após assumir o comando da missão militar da ONU e depois de 20 anos passa a firmar acordos bilaterias com o Haiti, sendo o Acordo de Cooperação Técnica e Científica para a Implementação do Projeto de Desenvolvimento da Cultura da Mandioca um dos acordos de maior destaque nesse momento de retomada de “parcerias”. Além dos 1200 militares brasileiros em solo haitiano para a manutenção da “ordem” após o golpe de 2004, o Brasil também passou a desenvolver parcerias na área técnico-científica com este país e tem, a princípio, como eixo, a “tecnologia” da produção de mandioca!



     Entre 2004 e 2010 foram 18 acordos bilaterais, o que tem impulsionado o comércio dos países. Cana-de-açúcar, papel, madeira e carnes lideram o topo das exportações brasileiras para aquele famigerado país arrasado historicamente pela rapina imperialista. Com o terremoto de 2010, o Brasil tenta assumir a liderança de um movimento de doações internacionais entre países para a “reconstrução” do Haiti. Durante a Conferência Internacional de Doadores para o Haiti, realizada nos Estados Unidos em março de 2010, o governo brasileiro assumiu o compromisso de doar 172 milhoes de dólares, mas em abril efetuou a doação de pouco menos de 1/3 do propagado.

Ministro Celso Amorim durante Conferência
Internacional de Doadores para o Haiti

     O fato é que o Brasil assumiu uma missão militar internacional num contexto golpista e desde a ocupação as tropas da MINUSTAH têm sido alvo de críticas de movimentos sociais, sindicatos e ong’s haitianas pelos excessos cometidos e pela nulidade de suas ações no sentido de melhorar a vida dos haitianos. Economicamente tem sido positivo o conjunto de ações do governo brasileiro junto ao Haiti e politicamente o Brasil tem tido destaque internacional nessa missão dentro de uma perspectiva de projeção rumo ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas sem considerar sua posição também imperialista naquele país.
     Durante os meses que sucederam a catástrofe de fevereiro de 2010 diversas foram as iniciativas de ajuda humanitária, campanhas internacionais, contudo, após o alarde midiático, restou um país destroçado e ocupado militarmente, sem as condições mínimas de construir sua história de forma autônoma e independente. Blindados e metraladoras não têm mudado a realidade do povo haitiano e a cada dia que passa a situação se torna mais insustentável.



Tropas da MINUSTAH reprimindo a população haitiana

  
A última tragédia que assola o país é uma epidemia de cólera que afeta todos os cantos do país, silenciosa e sem alarde internacional. Poucos são os países que mantém ajuda contínua àquele país, dentre estes, há de se destacar Cuba, que tem sido o principal parceiro para o combate à epidemia e outras doenças. Nas palavras do Presidente René Preval:

                        Hoje Cuba, apesar de suas dificuldades, é o país que mais ajuda o Haiti.Cuba está presente antes mesmo do terremoto atuando na área da educação e na saúde e depois do que houve em 2010 está mais presente. Cuba formou mais de 500 médicos haitianos e não estamos longe de ter nos próximos dias 1500 profissionais da área de saúde atuando nas áreas mais longinquas de nosso país atuando nessa luta contra o cólera e outras doenças. Essa ajuda é a mais efetiva e mais eficaz que temos tido.

     Essa declaração reforça o que afirmou o ex-Representante Especial da Organização dos Estados Americanos, senhor Ricardo Seitenfus ao criticar a forma de atuação brasileira no Haiti: “O Haiti não pode simplesmente ser objeto ou coadjuvante da sua própria história. O Haiti tem de estar no centro da sua história”. Após essa declaração feita no começo de dezembro passado Seitenfus foi afastado de suas funções pelo governo brasileiro. Sobre seu afastamento, afirma: “Tenho impressão que não falei inverdades. O Haiti não precisa de tantos soldados. O Haiti precisa de engenheiros, técnicos e desenvolvimento socioeconômico”.

Mais de 15 mil hospitalizados por uma doença
que pode levar anos pra ser sanada


     Cabe ao Brasil rever sua posição em relação ao Haiti e não focar sua ação no aspecto militar e econômico, pois é fato que nosso país tem feito o “serviço sujo” dos interesses do capital com aspirações políticas imperialistas. O Brasil se encontra numa encruzilhada, liderando uma ocupação militar que não surte efeitos concretos na vida dos haitianos e a cada dia é mais constrangedor  sua ação diante de ações humanitárias de grande reflexo social, como o exemplo do bravo e heróico povo cubano, que mesmo diante de suas enormes dificuldades e sem interesses meramente comerciais ou de projeção política é o principal país atuante na área de saúde no Haiti.


Mais de 500 haitianos formados na Escuela Latinoamericana de Medicina
e 1500 agentes de saúde cubanos têm levado assistência ao povo haitiano

     A política externa brasileira tem seus pontos positivos e marcantes, como a maior ligação com os países do Sul, de cooperação e promoção de uma geopolítica multipolar, mas seu ponto fraco e da mais pura incoerência se encontra no dilema haitiano. Enquanto o comércio bilateral favorece o capital alocado em nosso país e as parcerias técnico-científicas do aipim se desenvolvem a pleno vapor, o povo haitiano busca sua independência e autodeterminação diante das catástrofes naturais e, principalmente históricas corroboradas por interesses externos imperialistas verde-amarelos.

4 comentários:

  1. Não vejo o Brasil como um país impreialista, mas confesso, falta o Brasil estreitar relações com países como Venezuela, Irã, Bolívia, Equador, etc. Em relação ao Haiti, aquele país precisa de uma ação conjunta da ONU em termos de irradicação da miséria e investimentos sociais básicos e isso, no mundo do capitalismo é piada...
    Esse mundo está louco.Cada dia que passa uma coisa se afirma, revolução única solução...

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  2. Obrigado pela visita, Yuri!
    Há uma questão em que divergimos e outras tantas em que convergimos. As ações do governo brasileiro têm seu carater imperialista no sentido de serem conduzidas pela inspiração política expansionista na área de influência e posição internacional.
    Como afirmou o próprio representante brasieiro na OEA antes de ser demitido, o que o Haiti precisa não são soldados, mas engenherios, médicos e nesse ponto Cuba é destaque e o Brasil age como os EUA em sua política externa, por isso a analogia imperialista.
    Abraço, companheiro!

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  3. Blog de esquerda é difícil de ler, chega a doer de tanta bobagem, saiba que os soldados que estão lá são voluntários e obviamente que o pais precisa de médicos e outros profissionais das mais diversas áreas, mas soldados são a base para qualquer tentativa de ordem em um pais falido em sem estado. Seja imparcial por favor.

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  4. Olá, Leandro! Obrigado pelo prestígio!
    Nosso país ficou com a parte suja do negócio, ficou responsável por "colocar ordem" após um GOLPE DE ESTADO enquanto países muito mais pobres do que nós têm levado a ajuda essencial, essa é a questão chave do texto. Será que o Brasil faria o mesmo se o golpe na Venezuela, ou no Equador tivesse obtido êxito?
    Quanto à imparcialidade, isso sim é bobagem, pois quando a esquerda se posiciona é parcial, já quando a direita murmura é neutra? Ingenuidade.
    Obrigado pela participação.

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