domingo, 28 de março de 2010

Globalização Hegemônica e Contra-Hegemonia Global




As grandes transformações ocorridas no mapa geopolítico mundial no decorrer da Guerra Fria (1945-1989) e acentuadas após a dissolução do bloco hegemônico socialista liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS, trazem para o campo das ciências sociais um novo objeto, complexo, em formação e carente de conceitos.
Esse processo de expansão mundial do capital denominado globalização tem toda a sua teoria e prática regida pelos princípios do neoliberalismo, a lei do livre mercado, a redefinição do papel do Estado e a reorganização da divisão internacional do trabalho.
Dentro dessa complexa estruturação global de poder em andamento, surge uma problemática que desafia teóricos e cientistas políticos: a identidade do novo cidadão global, qual a sua característica essencial e o seu papel dentro desse contexto, tanto do ponto de vista conformista e, principalmente, conflitante.
Os laços que unem o cidadão ao Estado já não são os mesmos de tempos atrás, ou como se projeta no campo do ideal contratualista. O Estado-nação, após duas décadas de intensas “injunções” ou ingerências internacionais tornou-se uma província da sociedade global. A emergência de estruturas mundiais de poder, organizações multilaterais como o Fundo Monetário Internacional, FMI e a Organização Mundial do Comércio, OMC e as corporações internacionais formam o grande bloco onipotente mundial a ditar as regras de mercado, regras do capital, sem levar em conta a emergência também de uma sociedade civil global que se serve cada vez mais das estruturas de comunicação e organização existentes.
Essa sociedade civil vê suas aspirações se distanciarem das práticas políticas do Estado nacional, estando este cada vez mais vulnerável às “injunções externas” e subalterno às orientações, ou imposições das organizações multilaterais. IANNI (1999) esclarece bem esse descompasso entre o Estado e a sociedade civil em seu artigo A política mudou de lugar: “...a sociedade civil está predominantemente determinada pelo jogo das forças sociais ‘internas’, o Estado parece estar crescentemente determinado pelo jogo das forças sociais que operam em escala transnacional”.
Pode-se dizer que o que está em causa é a construção da “hegemonia conflitante”. Com a vigência da hegemonia mundial do capital, liderada pela potência estadunidense, abrindo fronteiras territoriais, econômicas, culturais, lingüísticas, religiosas para a implantação de sua ideologia consumista e alienante a identidade deixa de ser apenas local ou nacional, mas também se mundializa.
Faz-se necessário a estruturação de um contra-ponto, a nível global, a esse modelo unilateral, agressivo e prepotente, unindo várias correntes de pensamento divergentes entre si, mas que têm algo em comum, o posicionamento contrário a essa nova ordem do caos. “Estão em causa, pois, as condições de construção e realização da hegemonia, seja das classes e grupos sociais subalternos, seja de outros e novos arranjos compreendendo subalternos e dominantes que desafiem as diretrizes dos blocos de poder organizados e atuantes nos moldes do neoliberalismo. Assim, forças sociais importantes da sociedade civil defrontam-se com obstáculos às vezes intransponíveis para traduzir-se em governo, governabilidade, dirigência ou hegemonia. Sim, a construção de hegemonias conflitantes, alternativas ou sucessivas, pode ser um requisito essencial da dialética sociedade civil e Estado. E sem nenhuma hegemonia fica difícil pensar não só em soberania nacional, mas também em democracia, mesmo que apenas política”.
As classes dominantes dirigentes dessa revolução tecnológica têm na mídia o seu “intelectual orgânico” reprodutor dos seus valores e dentre esses, o consumismo adquire uma nova significação. Impregnado pela mídia, por todos os meios de comunicação, o consumismo adquire valor de cidadania, de prazer humano, “devido ao modo pelo qual a publicidade induz ao consumo faz com que indivíduos, coletividades e multidões, consciente ou inconscientemente, elejam o consumismo como um exercício efetivo de participação, inserção social ou mesmo cidadania”. O cartão de crédito assume a posição de status quo, principal documento de identidade, de credibilidade, o cidadão globalizado é reconhecido pelo seu poderio econômico. Com a ausência do Estado forte e com a lei do livre mercado a pleno desenvolvimento, a qualidade de cidadão se dá àquele que possuir esse documento.
A nova ordem mundial, com seu desenvolvimento sem precedentes na história gera também um movimento, uma “hegemonia conflitante” com potencial na mesma proporção, mas a formação dessa alternativa esbarra em teorias e ideologias conflitantes entre si. É necessária uma leitura aprofundada do contexto e da correlação de forças entre o histórico conflito capital/trabalho e buscar a consolidação de um consenso, de um movimento mundial contra o neoliberalismo envolvendo toda a sociedade numa frente ampla, empresários nacionalistas, trabalhadores, governos progressistas e patriotas, movimentos sociais e excluídos em geral, pois o momento é difícil e crucial para a humanidade.
Em linhas gerais, pode-se notar que esse movimento existe e é crescente. Essa “hegemonia conflitante” se expande devido à própria contradição desse modelo excludente neoliberal, a palavra agora é “alternativa”, comunicação alternativa, alimentação alternativa, valores alternativos... buscando unir o mundo nesse desenvolvimento dialético da história.
Como afirma Ianni, o cenário em que emergem as manifestações sociais, econômicas, políticas e culturais pode ser chamado de neosocialismo, e esse é o palco onde a política está sendo reterritorializada. O exercício pleno da cidadania alternativa, não a cidadania do capital, é a busca da articulação do regional com o global, a afirmação do nacional e a consciência do todo, da mundialização da identidade e da luta de classes que se define num novo patamar da história, sendo necessária uma compreensão do velho que se definha e o novo que germina.

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