domingo, 28 de março de 2010

Stálin e o Totalitarismo

por Diney Lenon de Paulo

      O presente paper consiste numa leitura sintetizada do texto Stalin e Stalinismo escrito pelo filósofo Claude Lefort, extraído do seu livro, A Invenção Democrática – Os limites da dominação totalitária.
      O trabalho feito nessa comunicação visa estabelecer os conceitos, a linha teórica e as características que Lefort designa ao dito modelo político stalinista, modelo totalitário. A delimitação das características do totalitarismo também será discutida a partir dos textos da cientista política Hannah Arendt, intelectual judia da linha democrático-liberal, exilada nos Estados Unidos no período da Guerra Fria e a leitura crítica ainda será acrescida do texto de Florestan Fernandes, Apontamentos Sobre a Teoria do Autoritarismo.
      O texto de Lefort faz parte do Colóquio acontecido em Genebra, no ano de 1980, organizado pela Faculdade de Letras e o Instituto dos Altos Estudos Internacionais, instituição da qual o autor é membro. O tema do Colóquio levou o nome do artigo que aqui se faz a leitura.
      A significação política que compreende o período histórico em que Stalin exerceu o poder na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, se destacando como Secretário Geral do Partido Comunista e assumindo o comando político da URSS após a morte de Lênin, ocorrida em 1924, até o seu falecimento em 1953. A política de Stalin não possui baliza, assim afirma Lefort, significando um exercício singular de poder.
      Utilizando do pensamento de Leon Trotski e Medvedev, Lefort faz uma crítica ao modelo político implantado por Stalin na URSS, modelo ao qual denomina uma “perversão” do marxismo sob a ótica de Marx, quando da implantação de uma casta burocrática na estrutura estatal (todos membros do partido) e também sob a ótica de Lênin, uma distância enorme nas suas práticas autoritárias e ambiciosas sob o aspecto pessoal. O gerador dessa prática monstruosa do aparelho estatal soviético sob o comando de Stalin é a vicissitude do real, é perda do caráter revolucionário para a mera conservação do poder conquistado. A luta política teria de se dar nas fileiras do partido, qualquer forma de expressão ou organização autônoma era reprimida por uma coerção forte e violenta, dando características totalitárias ao regime.
      Algumas contradições do processo revolucionário stalinista são levantadas por Lefort. O contexto do final da década de 1920, com as mudanças em andamento na China, a ascensão do nazismo na Alemanha, o fascismo na Espanha e na Itália, assim como o processo interno, conturbado pela drástica transformação imprimida pela revolução, a “coletivização” e a industrialização forçadas apontam para a estratégia totalitária stalinista. O processo histórico faz do stalinismo não mais uma conseqüência, mas um princípio. Medvedev julga que o stalinismo se define por seus excessos, por uma violência extraordinária, parasitária, mesmo sem negar que Marx não excluía a violência do processo revolucionário, porém afirma que havia os “excessos normais” e os “excessos excessivos”.
      O filósofo Claude Lefort ainda cita o pensador contra-marxista Soljenitsyn que, em sua concepção o stalinismo não chega a ser uma degeneração do marxismo, mas sim a sua face mais clara, o seu “conteúdo real”. A crítica vem ainda sobre a sua incoerência, enquanto marxista, fazendo de sua profissão de fé o materialismo histórico, ao afirmar que a luta dos bolcheviques era produto de idéias.
      Sem desacreditar o materialismo histórico, Lefort descreve o poder como condicionante do conjunto social em sua formação e encenação, chegando a citar até o processo “histórico natural”. A determinação-figuração da sociedade se dá pela imposição da política centralizada e personificada de Stalin, as formas de organização e manifestação dentro do regime passam pelo olhar dos seus dirigentes. A vigilância e a repressão são características do regime totalitário stalinista. O perigo da contra-revolução é levado às últimas conseqüências, Lefort aponta para as formas coercivas da política stalinista em relação aos opositores ao marxismo e aos marxistas não alinhados com o modelo instaurado. A intolerância às formas externas ao modelo soviético, segundo Lefort, passa por uma construção ideológica, outra característica totalitária.
      A tese desenvolvida por Lefort se define pelo poder estando alojado na representação. O estado representa o poder e se coloca acima da sociedade, assim como os homens do estado se colocam acima dos homens da sociedade. O Partido Comunista estabelece e organiza o sistema totalitário, nesse regime as características do indivíduo são suprimidas. “os sujeitos são constantemente submersos no coletivo, as determinações particulares da prática e do conhecimento aniquilados e a dimensão da própria realidade apagada enquanto reinam a certeza da visão socialista e o gozo narcisista da onipotência do corpo político”.
      No final do seu texto, Lefort cita Trótski quando este compara Luis XIV, os Papas de Roma a Stalin, ao stalinismo, ressaltando que aqueles governaram numa época de poder temporal, enquanto que o totalitarismo stalinista abarcou toda a economia. Recorrendo a um dos últimos escritos de Leon Trotski, Lefort afirma que Stalin bem poderia dizer: “O estado sou eu”.

      O texto de Claude Lefort nos leva a uma conclusão sobre o modelo político stalinista: um modelo totalitário, baseado na coerção, na estruturação burocrática, na repressão política, na ideologia, no terror, conseqüentemente num distanciamento do marxismo clássico de Karl Marx e até mesmo da teoria e prática de Lênin.
      A questão que se coloca é a seguinte: Até que ponto podemos concordar com Claude Lefort em sua classificação sobre o regime da URSS sob o comando de Josef Stalin? Quais são as características do totalitarismo? Em que contexto se constitui a política stalinista? Quem são os denunciadores do autoritarismo soviético? Em que ponto o regime stalinista é semelhante ao nazismo e ao fascismo, e à democracia burguesa?
      Essas colocações nos fazem remeter ao período histórico em que se encontra a “era stalinista”. Após a morte de Lênin, o grande líder político e teórico da Revolução Russa, Josef Stalin, 1º Secretário do Partido Comunista, com grande influência política, assume a liderança do estado soviético, vencendo seu adversário interno Leon Trótski.
      A década de 1920 foi uma década marcada por um enrijecimento político dos países europeus, seja na linha conservadora, seja na linha transformadora. O período pós 1ª Guerra é marcado por uma política de afirmação do estado nacional e recuperação econômica. A Alemanha vivia o auge do nazismo, Adolf Hitler assumia à frente do Partido Nacional Socialista Alemão, desde 1920, a ideologia nazista. Temendo a expansão do movimento socialista, nos moldes bolcheviques, a burguesia alemã se aliou ao partido de Hitler.
      Na Itália Benedito Mussolini, 1º Secretário do Partido Fascista, que se defrontava com os partidos Socialista e Popular, além da Central Geral dos Trabalhadores, assumia o poder em 1929, quando seu partido conseguiu uma grande vitória no parlamento e se tornou maioria. Mussolini se alia à igreja, na figura de Pio XI, e à nobreza, na figura de Emanuel III, instaurando o autoritarismo conservador.
      O quadro político daquele período era de constituição de estados fortes e comprometidos com ideologias profundas. Naquele momento, Stalin estava travando uma luta revolucionária e, ao mesmo tempo, contra-revolucionária, no sentido externo e interno. A manutenção do andamento das transformações na URSS demandava força e estratégia, leitura histórica de contexto.
      O conceito de stalinismo foi criado após a morte de Stalin. Sua origem deriva dos críticos aos regimes fortes, totalitários, deriva dos defensores da liberdade plena, dos princípios liberais. A classificação dos aspectos que formam a política totalitária também merece uma análise mais aprofundada para que possamos delimitar o conceito que nos coloca em questão.
      Estendendo a leitura do texto de Lefort, procurou-se apoio em Hannah Arendt visando uma compreensão da essência que define o totalitarismo. Para esta autora o totalitarismo se define por um regime político que possua os seguintes pontos: Ideologia – Partido Único – Terrorismo Policial Militar – Domínio dos meios de comunicação – Exército forte – Controle absoluto da economia. A cientista política afirma que a convergência dessas características só é possível no século XX e que apenas características isoladas são encontradas em regimes anteriores a essa época.
      Lefort atribui ao regime stalinista um modelo autoritário, centralizador e burocrático. Mas seria possível agir de forma diferente naquele momento? Para que possamos encontrar um apontamento para essa resposta, vale citar a obra de Florestan Fernandes intitulada Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo , o autor, oferece uma visão histórica e contextualizada sobre o totalitarismo, sendo um dos maiores sociólogos marxistas brasileiros. Nesse texto elaborado na década de 1970, Florestan questiona a teoria do autoritarismo, coloca que nessa teoria não se busca o desmascaramento do estado burguês.
      O autoritarismo é a versão mais tirânica, sem máscaras, do estado burguês. Àqueles que criticam o regime totalitário soviético, Florestan Fernandes diz que a teoria verdadeiramente burguesa se dá antes da tomada do poder, assumindo o papel revolucionário, após a sua vitória ela se torna conservadora e utiliza todo o seu poder coercitivo para defendê-lo. O ideólogos da “sociedade perfeita”, os democratas liberais, definem a sociedade democrática como a possuidora do poder auto-responsável, que não é absoluto nem auto-regulável, onde a democracia é incompatível com a existência de castas. Mas o que se vê numa sociedade democrática é um regime de classes extremamente autoritário e reacionário sob qualquer ameaça da manutenção do status quo.
      A autodefesa da ordem é uma característica do sistema burguês, segundo Florestan Fernandes, o monopólio da dominação burguesa corresponde a um “monopólio do poder político estatal”. Quando necessário brota do regime burguês o “estado de exceção”. Florestan não explora a “neutralidade ética” e se coloca firmemente de um lado, se posiciona politicamente e centra suas análises na estrutura e na história.
      O capitalismo manietou o conflito social, procurou despojá-lo de sentido político. Assim Florestan define o cerco capitalista:
“O cerco capitalista é uma realidade externa e interna ao funcionamento do capitalismo no plano nacional e no plano mundial. Temos de compreender isso para entender melhor o fluxo da história e as alternativas da contra-revolução e da revolução”.
      O que difere as formas totalitárias de exercer o poder, sendo o conservantismo e a contra-revolução e o reformismo e a revolução são suas filosofias. O autoritarismo reformista ou revolucionário difere na sua duração e na sua própria história, culmina na liberdade, na igualdade e na extinção das classes. O autoritarismo burguês é conservador e reacionário.
      O regime totalitário stalinista se processa num determinado período histórico onde a bipolarização mundial de acentua entre o capitalismo e o socialismo. A constituição de regimes políticos fortes e comprometidos com ideologias revolucionárias e conservadoras é uma marca desse período histórico. Stalin implementou o regime socialista dentro da viabilidade histórica.
      A crítica às formas de governo totalitário provém de setores liberais que vêem no regime forte, centralizado, onde o estado assume papel preponderante, um entrave ao desenvolvimento dos princípios democráticos e liberais. A forma de manutenção da sociedade de classes, baseada na divisão do trabalho e na propriedade privada não é desmascarada pelos críticos liberais, que vêm no sistema democrático burguês o sistema ideal, perfeito. O que essa crítica não leva em consideração é a forma autoritária que o regime burguês faz sua política de manutenção da ordem dominante.

4 comentários:

  1. Diney, em primeiro lugar, parabéns pelo blog! Só li esse post até então e gostei bastante. No entanto, posso lhe garantir através de citações textuais de obras de Hannah Arendt, que ela repudiava o liberalismo. Pelo contrário, as críticas que ela dirige aos liberais pós-Marx, nem ele mesmo teria tido condições conceituais e factuais de elaborá-las.

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  2. Com os conceitos dos liberais, vc só poderá se afundar.

    O governo de Stálin tem, sim, tudo a ver com Marx e Lênin. Essa dissociação é tola e é feita com má fé pelos liberais engajados na Guerra Fria. Arendt recebeu até dinheiro da CIA.

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